Quando nasce uma criança, nascem novos adultos

A participação de crianças em políticas públicas é um desafio e uma oportunidade. Não é uma coisa tão simples de acontecer, mas quando acontece, deixa a cidade melhor para todos. Quem defende isso é a pesquisadora e doutora em psicologia Beatriz Corsino Pérez. Em 2012, ela realizou oficinas com crianças da favela Santa Marta, no Rio de Janeiro, para experimentar maneiras de incluir meninas e meninos no planejamento e na infraestrutura da cidade.    

📑 Essas duas palavras compridas são essenciais para a vida urbana. O planejamento é toda a preparação para colocar algo em prática. Já a infraestrutura são serviços básicos para que as cidades funcionem: água, luz, rede de esgoto, telefone, transporte, etc.

Na Santa Marta, Beatriz esteve com 65 crianças entre 4 e 12 anos de idade, e ouviu o que elas pensavam sobre a vida naquele lugar. Esse trabalho é parte do projeto “Criança Pequena em Foco”,  do Centro de Criação de Imagem Popular, o Cecip. 

Além de contar como viviam e pensavam, meninas e meninos de 4 e 5 anos participaram de um passeio fotográfico pela Santa Marta, registrando o olhar deles para a comunidade. Beatriz conta que, na hora, sentiu como se os papéis estivessem trocados. Os adultos até deram a ideia do passeio, mas os guias foram as crianças, que conheciam bem o lugar onde moravam. 

“Nós, adultos, temos que assumir que não sabemos tudo, e isso nos dá uma abertura para a escuta das diferenças”, diz Beatriz. No passeio, a Santa Marta era um território das crianças que viviam ali, e os adultos pesquisadores eram as pessoas de fora: “A gente ia andando e elas nos explicando: olha, essa casa é de minha tia, esse bondinho daqui falha, essa rua é cheia de cocô de cachorro, essa pracinha está quebrada”. 🌳

Sem ouvir as crianças, as políticas podem ter boas intenções e, ainda assim, o resultado falhar, avalia a pesquisadora. Quer um exemplo? Na Santa Marta, a prefeitura do Rio de Janeiro construiu um bicicletário, o que seria ótimo para as crianças, certo? Errado! O espaço onde elas brincavam de queimada, uma das únicas áreas planas do morro, foi ocupado por várias bicicletas, mas só para gente grande. Beatriz resume: “Para os adultos, aquele era um espaço vazio. Ninguém tinham se dado conta que era justamente onde mais as crianças brincavam e, além disso, elas nem podiam usar as bicicletas”. 

Você conhece essa brincadeira?
No Rio de Janeiro, as crianças chamam de queimada ou queimado. Em Salvador, é baleado. Dois times ficam em um campo dividido no meio por uma linha. Os jogadores de cada lado têm que arremessar a bola para acertar o adversário. Quando a bola pega, a pessoa está queimada ou baleada e tem que sair do jogo. Ganha o último que ficar. 

As fotografias dos pequenos moradores fizeram parte de uma exposição para a comunidade. O Cecip também produziu um caderno com metodologias participativas, que ajuda outros adultos a ouvirem meninas e meninos nos mais diferentes territórios. Beatriz lembra que crianças são pessoas recém-chegadas ao mundo e que, por isso, têm esse olhar de “primeira vez”. A pesquisadora diz que as crianças estão se apropriando de um mundo que foi feito pelos adultos e não por elas, mas que elas também podem construir e transformar.

“Quando nasce uma criança, nasce uma mãe, um pai, uma avó. O simples fato de uma criança vir ao mundo já modifica tudo”, Beatriz Corsino Perez