Ter proteção é bem legal

Vamos viajar no tempo? Neste passeio, você vai aprender que o Brasil deixou de ver as crianças como pequenos adultos e passou a respeitá-las como cidadãs

Ouça o texto:

Estar protegido é muito legal. E não só porque legal quer dizer uma coisa boa, mas também porque essa palavra faz a gente pensar nas leis, onde estão os direitos das crianças. Conheça alguns momentos da história importantes para a construção desses direitos.

Que esse passeio pelo tempo inspire suas ideias, seja para melhorar o que já existe ou mudar aquilo com o que não concorda.

Como pequena cidadã e pequeno cidadão, você também pode ajudar o Congresso Nacional a propor leis ou começar movimentos capazes de inspirar crianças e adultos no mundo todo.🌎🌍🌏

Anterior
Próximo

Roda dos Expostos (1734-1935)

Ouça o texto:

Há quase 300 anos, muitos bebês e crianças eram abandonados em Salvador. As famílias que não podiam cuidar de suas filhas e filhos, acabavam deixando esses pequenos pelas ruas da cidade. A Santa Casa de Misericórdia, uma casa religiosa, criou um instrumento para receber essas meninas e meninos.

Funcionava assim: a mãe ou o pai colocava a criança na roda, que era como uma caixa, aberta para o lado de fora da casa. Depois, fechava uma portinha e empurrava, fazendo a roda girar até a criança chegar na parte de dentro. 

Seria muito mais fácil tocar a campainha, certo? Mas as famílias não queriam que as pessoas soubessem o que elas estavam fazendo, porque essa é uma decisão bem difícil.

As crianças que passavam pela roda eram recebidas na Santa Casa e depois iam morar com outras famílias.

Esse tipo de cuidado recebe o nome de assistencialismo, que é ajudar a quem precisa, mas sem libertar a pessoa de ter que precisar sempre dessa ajuda. A Roda dos Expostos funcionou em Salvador entre 1734 e 1935.

Código de Menores (1927)

Ouça o texto:

Primeira lei do Brasil criada para proteger crianças e adolescentes. A data escolhida foi 12 de outubro de 1927, no Dia das Crianças.

O nome “menores” trouxe uma novidade: crianças com menos de 18 anos de idade não seriam levadas aos tribunais do mesmo jeito que os adultos. ⚖️

Antes disso, meninas e meninos a partir dos nove anos podiam ser julgados, condenados e até presos. Apesar de importante, essa lei era mais autoritária do que protetora, ou seja, era mais mandona e menos cuidadosa. Hoje, a palavra “menor” não é mais usada. Quem tem menos de 18 anos é criança ou adolescente. 

Declaração Universal dos Direitos das Crianças (1959)

Ouça o texto:

Em 1959, países do mundo, incluindo o Brasil, combinaram de proteger as crianças de forma integral e com prioridade absoluta. Isso quer dizer que famílias, governos e instituições reconheceram que crianças são cidadãs e merecem cuidado antes dos demais. Esse texto foi escrito em 1924 pela ativista inglesa Eglantyne Jebb, fundadora da ONG Save The Children (Salvem as Crianças). 

O documento foi reconhecido no dia 20 de novembro de 1959 pelas Nações Unidas (ONU), uma organização criada para que diferentes nações se relacionem sem guerras ou conflitos. Essa data passou a ser o Dia Mundial da Criança.

A declaração trouxe dez princípios básicos, garantindo o direito de brincar, de ter uma família, de ir à escola, de ter saúde e de não sofrer qualquer tipo de discriminação. 👍

O advogado Ariel de Castro Alves, que é especialista em direito das infâncias e faz parte do Instituto Nacional da Criança e do Adolescente, explica que esse documento inspirou o Brasil a criar, anos mais tarde, o Estatuto da Criança e do Adolescente. 

Segundo Código de Menores (1979)

Ouça o texto:

O ano era 1979 e o Brasil vivia uma ditadura militar quando o segundo Código de Menores passou a existir. “A ditadura é como um ditado: alguém diz o que é para fazer e todo mundo faz, porque tem que ser assim e pronto”, ensina o livro “A Ditadura é assim”, da editora Boitatá. Quem não obedecia o ditador, que mandava no país, era preso ou castigado, por isso as pessoas viviam com medo. 

Esse Código se dedicou às crianças que viviam muitas dificuldades, como o abandono, a violência, a exploração do trabalho e também àquelas que faziam o que a lei não permitia. Todas essas condições, vistas sempre como um problema, deixavam as crianças no que era chamado de “situação irregular”. As coisas irregulares são tortas, borradas, rasuradas, diferentes. Já as situações deste Código recebiam esse nome por não estarem de acordo com a lei.

 Já que não via as crianças como pessoas, em vez de acolher, proteger e educar, o governo acabava reprimindo essas crianças, o que as tornava vítimas mais uma vez”, explicou Ariel de Castro Alves.  

Criança e Constituinte (1985)

Ouça o texto:

Nos anos 1980, o Brasil se preparava para deixar de ser uma ditadura e voltar a ser uma democracia.

A democracia é como um recreio em que todos podem brincar de tudo e também podem pensar o que quiserem, dizer o que quiserem, encontrar e se reunir com quem quiserem, pois todos participam e decidem um pouco”.

Isso está escrito no livro “A Democracia pode ser assim”, também da editora Boitatá. Este livro nos ajuda a entender como as crianças participaram de um dos momentos mais importantes na história do nosso país. 

👧🏻👦🏻👧🏼👦🏿👧🏿👦🏽 Em 1985, mais de 20 mil meninas e meninos fizeram a Ciranda da Constituinte, uma roda imensa, na qual deram as mãos em torno do Congresso Nacional, em Brasília.

No Congresso, os deputados e senadores, políticos que fazem as leis do país, estavam reunidos para criar uma nova Constituição, que é a carta onde estão escritos os direitos e deveres de todas as cidadãs e cidadãos brasileiros. Naquele ano, foi aprovada a Emenda Criança, texto que mudava a forma como os adultos entendiam as infâncias e que deu origem aos artigos 227 e 228 da Constituição que estava nascendo. 

Em 1986, na campanha Criança e Constituinte, meninas e meninos entregaram aos parlamentares mais de um milhão de assinaturas a favor de outra emenda, ou seja, de outra mudança, na carta chamada “Criança, Prioridade Nacional”. Era mais um reforço para que o artigo 227 fosse incluído na Constituição. 

Artigo 227

Ouça:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Constituição Federal (1988)

Ouça o texto:

No mês das crianças, em 5 de outubro de 1988, o Brasil aprovou a sua Constituição Cidadã. Depois de mais de 20 anos de ditadura militar, a nossa sociedade reconquistou a democracia, “um jogo do qual todos participam e todos jogam pela liberdade” (“A Democracia pode ser assim”/Boitatá). Entre tantas conquistas, a Constituição mudou a forma de o Brasil olhar as infâncias, explicou o advogado Ariel de Castro Alves.

😄 Com a doutrina da proteção integral, a criança deixou de ser vista como objeto para ser respeitada como sujeito. Percebe a diferença? Não ser mais tratada como uma coisa, mas como uma pessoa, com desejos, sentimentos e, principalmente, direitos. “Foi uma mudança radical, um marco no cuidado e na proteção das crianças”, disse Ariel.

Convenção sobre os direitos das crianças (1989)

Assinada por 196 países do mundo, essa convenção é o documento de direitos humanos mais aceito da história. Foi criada em 1989, na ONU, e reconheceu as crianças como seres sociais, políticos, econômicos, civis e culturais.

Todos esses aspectos querem dizer que crianças não são adultos em miniatura e que também não são objetos das decisões desses adultos. Crianças são cidadãs e devem ser respeitadas. 👍

Estatuto da Criança e do Adolescente (1990)

Ouça o texto:

Em 1990, a palavra ECA ganhou o seu melhor significado. E, antes que você dê risada ou faça careta: essas são as três primeiras letras do Estatuto da Criança e do Adolescente, lei que amplia os direitos trazidos pela Constituição de 1988.

🤍 Para começar, o ECA diz que cuidar das crianças é uma responsabilidade de todos.

Está lá no artigo 4, destaca o advogado Ariel de Castro Alves. 

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

A lista de conquistas é grande: o ECA determinou que mais crianças tenham acesso à escola pública; criou programas para enfrentar maus-tratos, abusos, violências e exploração sexual e do trabalho infantil e trouxe melhorias para a saúde.  

Também foi o ECA que estruturou o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que trabalha para garantir que todos esses direitos sejam aplicados. Tem mais: o ECA instituiu os Conselhos Tutelares, órgãos públicos e independentes que representam a sociedade na defesa dos direitos das crianças. 

E como são sujeitos de direitos, as crianças também têm, neste Estatuto, a garantia da liberdade de expressão. São livres para dizer o que pensam, defender o que acreditam e o que desejam, além de poderem participar da vida política, na forma da lei. Isso está escrito no artigo 16. 

Com 267 artigos, o ECA tornou-se uma referência na proteção de crianças em todo o mundo. Isso quer dizer que vários outros países citam a nossa lei como exemplo, o que é motivo de orgulho para o Brasil, mas também de preocupação.

É que muitas vezes, o que está escrito na lei não acontece na prática. Para Ariel de Castro Alves, falta vontade política para tirar essas leis do papel. “Infelizmente, ainda vivemos em uma sociedade que coloca os adultos no centro e não entende que a defesa das crianças é a defesa de si mesma”, criticou o advogado.  

Marco Legal da Primeira Infância (2016)

Ouça o texto:

Esta lei é como uma ponte que liga as descobertas da ciência sobre crianças de 0 a 6 anos às políticas públicas para essa fase da vida. Para que ela fosse aprovada, em 2016, os parlamentares brasileiros tiveram muitas conversas com quem pesquisa e vivencia a primeira infância todos os dias. 

A ciência já mostrou que, desde que nascem até os seis anos, as crianças têm um cérebro que funciona como o de um super-herói. Ele está crescendo, fazendo mais de um milhão de conexões por segundo, e por isso as crianças aprendem muito e de um jeito bem rápido. ⚡⚡⚡

Lembra de você quando era bebê? 👶
Em pouco tempo, olhe quanta coisa aprendeu: a mamar, rir, chorar, sonhar, falar, andar, se expressar, comer, dançar, cantar, correr, brincar, brigar, desenhar, ler, escrever.

Você pode dizer que as pessoas estão aprendendo o tempo todo, e é verdade. Aprender é para sempre, até depois de a gente ficar velhinho. Mas, apenas na primeira infância, o que a gente vive e que pode fazer com que o nosso cérebro atinja seu potencial máximo, vai ser levado para a vida toda. 

O Marco foi criado para garantir cuidado, afeto, nutrição, interações com os adultos, brincadeiras e estímulos fundamentais para as crianças. 🪁

Ao mesmo tempo, ele enfrenta tudo o que pode prejudicar o desenvolvimento de meninas e meninos, com consequências ruins por toda a vida, como a violência, a desnutrição, a falta de estímulos e a falta de acesso à educação de qualidade.

E, já que estamos falando de participação política na primeira infância, é muito importante saber que essa é a primeira lei do Brasil que traz escrito com todas as letras: “As crianças de até seis anos de idade deverão ser envolvidas na formatação de políticas públicas”. Esse é um direito seu e que, como todos os outros, deve ser respeitado. 

As crianças, desde pequenas, precisam ser ouvidas na elaboração de políticas direcionadas a elas”, defende o advogado Ariel de Castro Alves.

A ideia, ele explica, é que as crianças participem de tudo o que as envolve, da mesma forma que esse direito pertence a mulheres, povos indígenas, pessoas com deficiência, pessoas negras e todos aqueles que, ao longo da história, vem sendo deixados de lado. O lema é o mesmo: nada sobre nós sem nós. 

Em 2022, o Marco Pela Primeira Infância chegou ao tempo da primeira infância, ou seja, fez seis anos. Ainda é uma legislação nova, e que está educando a sociedade para a sua importância. “Se esse estatuto fosse cumprido, toda praça seria feita ouvindo crianças; toda escola construiria sua pedagogia a partir da escuta de crianças, todas as cidades seriam pensadas também a partir da ótica infantil”, afirma Ariel. Sabendo disso, que tal se organizar para cobrar dos adultos?

Conferências dos Direitos das Crianças (2023)

As crianças brasileiras já participam ativamente das Conferências nas quais acontecem muitos debates sobre as políticas e ações voltadas para elas. Isso acontece nas cidades, nos estados e na capital do Brasil.

Em novembro de 2023, será realizada a última etapa da 12ª CNDCA, a Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Asolescente, quando serão avaliados os reflexos da pandemia de Covid-19 para as infâncias do país.