Cartas para a Justiça

Pensar políticas públicas com as crianças é assumir um compromisso com elas, diz a pesquisadora Ilana Katz. O compromisso é: usar o que a gente sabe para dizer que as crianças sabem o que dizem.  “Não do mesmo jeito que os adultos, é claro, porque elas experimentam a vida de outra maneira  e é isso o que as crianças têm, um saber que é próprio da experiência delas”, explica Ilana, que é psicanalista. 

Desde 2021, Ilana faz parte da “Primeira Infância na Maré”. Este projeto fez um diagnóstico das experiências de crianças entre 0 e 6 anos do Complexo da Maré, na capital do Rio de Janeiro. Ilana é consultora – ela apoia a equipe que trabalha lá, e o trabalho deles é conhecer como os adultos estão cuidando das crianças, saber o que falta e quais são os caminhos para que elas tenham seus direitos respeitados. 

“Eu aprendo muito com a Maria Thereza Marcílio quando ela diz que lugar de criança é no orçamento”, explica Ilana, a partir do pensamento da educadora da Avante (link para entrevista com Maria Thereza). Mas, espera aí. Por que lugar de criança é no plano que os governos criam para saber como usar o dinheiro público? Porque sem recursos, boas ideias não saem do papel!

Para Ilana, um bom exemplo de que as crianças sabem o que dizem são as cartas que meninas e meninos da Maré escreveram para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Em 2019, quando as operações policiais voltaram a acontecer com frequência e violência nas favelas da Maré, as crianças disseram que os moradores precisavam de segurança para viver. Com o apoio da ONG Redes da Maré, elas escreveram mais de 1.500 cartas para juízes de Direito. Esses juízes são responsáveis por interpretar e aplicar as leis.  

Nas cartas, as crianças da Maré contaram experiências muito difíceis: “Meu irmão morreu por causa dos policiais”; “O ruim das operações nas favelas é que não dá para brincar porque tem muita violência”; “Uma vez deu tanto tiro que me escondi atrás da máquina de lavar” e “Estou escrevendo esta carta com uma caneta e não com um fuzil”. 

Escutar as crianças para produzir políticas públicas nunca é escutar só as crianças, mas todos ao redor, diz a pesquisadora. Ilana ensina: “Para construir ações que realmente transformam, a gente deve escutar as crianças, assim como todos que não acessam direitos e participação social, como as mulheres, as pessoas negras, as pessoas pobres e pessoas com deficiência para enfrentarmos toda forma de opressão”.